segunda-feira, 24 de junho de 2013

MINHA EXPERIÊNCIA ANALITICA COM FAIRBAIRN E COM WINNICOTT. Até que ponto é completo o resultado da terapia psicanalítica?. Harry Guntrip

Não tentarei responder de uma maneira puramente teórica à pergunta do subtítulo, pois não acho que a teoria seja o problema principal: é um servente útil, mas um mau patrão, suscetível de dar origem a ortodoxias de toda classe. Sempre deveríamos utilizá-la com cautela e tratar de encontrar atitudes de melhorá-la à luz da prática terapêutica. É esta a proposição que constitui o verdadeiro núcleo do problema. Em última instância, os bons terapeutas não nascem já formados; o que fazem é aproveitar ao máximo a formação. Talvez a pergunta: Até que ponto é completo o resultado da terapia psicanalítica? Leve a esta outra dúvida: Até que ponto foi completo o resultado de nossas próprias análise-didátas? Aconselha-se aos analistas que se mostrem abertos às melhorias psicanalíticas. Talvez porque não esperamos de nenhuma análise um resultado completo e definitivo. Por isso seja necessário conhecer as mudanças psicanalíticas para avaliar os verdadeiros resultados da análise. Resulta que é impossível encarar este problema só sobre a base dos registros de nossos pacientes. Necessariamente, estes são incompletos ao cabo da primeira análise e inexistentes ou ainda que demorem. Como esta pergunta teve relevância imperiosa e inesperada em meu caso, me vi obrigado a encontrar uma resposta e este, que é o motivo pelo qual decidi correr o risco de descrever minha análise com Fairbairn e com Winnicott e seus efeitos posteriores, já que é a única maneira em que posso oferecer um quadro realista que, na minha opinião, é a relação entre as contribuições respectivas destes dois grandes profissionais e do que lhes devo. A pergunta: até que ponto é possível um resultado completo? De enorme importância para mim, porque está relacionada a um fator insólito: uma completa amnésia com relação a um trauma severo aos três anos e meio em relação à morte de um irmão menor. Duas análises não conseguiram superá-la. Resolveu-se depois de forma inesperada, mas sem dúvida graças ao que se obteve nelas, quanto ao “suavizar” a principal repressão. Acredito em que esta experiência interesse aos leitores tanto teórica como humanamente. A longa busca de uma solução para esse problema foi muito introvertida para que seja recebida de muito bom grado, mas não tinha alternativa, não podia passar em vão, e por isso tomei uma decisão que talvez sirva para ajudar a outros. Tanto Fairbairn como Winnicott pensavam que se não houvesse esse trauma, talvez eu nunca me teria transformado em psicoterapeuta. Fairbairn disse em certa ocasião: “Se não tivéssemos nossos próprios problemas, seria improvável compreender o que pode motivar a qualquer um de nós a converter-se em psicoterapeuta”. Não era muito otimista e em certa ocasião e me disse: “Uma vez que a conduta básica da personalidade se fixa numa infância prematura, acontece ser impossível modificá-la. As novas experiências podem limpar as velhas condutas da emoção correspondente, mas a água sempre pode voltar a correr por esses velhos leitos secos”. Não se lhe pode proporcionar a ninguém uma história diferente. Em certa ocasião assinalou: “É possível se analisar indefinidamente sem chegar a nenhum lado. O elemento terapêutico é a relação pessoal. A ciência não tem outros valores que os cientistas, os valores esquizóides do investigador que se coloca fora da vida e observa. É puramente instrumental, útil durante um tempo, mas depois é necessário retornar à vida”. Essa era seu visão do “analista espelho”, um observador não participante e que se limita a interpretar. Assim, sustentava que a interpretação psicanalítica não é terapêutica por ser, mas só na medida em que expressa uma relação pessoal e uma genuína compreensão. Minha própria opinião é que a ciência não é necessariamente esquizóide, mas está motivada por fatores de ordem prática e a miúde se volta esquizóide porque oferece um fácil refúgio aos intelectuais esquizóides. Na psicoterapia, qualquer seja seu tipo, não há lugar para isso. Eu já pensava então que a terapia psicanalítica não é puramente teórica, mas uma relação pessoal verdadeiramente compreensiva e assim li, tinha assinalado em meu primeiro livro, antes de saber quem era Fairbairn. Depois de ler seu trabalho de 1949, quis conhecê-lo porque compartilhávamos uma mesma posição filosófica e sabia que nenhum desacordo intelectual poderia interferir a análise. Mas a capacidade para estabelecer uma relação não depende tão só de nossas teorias. Nem todos têm a mesma facilidade para estabelecer relações pessoais, e a todos nos é mais fácil relacionar-nos com algumas pessoas que com outras. O fator imponderável de um “encaixe natural” tem muito que a ver com isso. Assim, apesar de sua convicção, Fairbairn não tinha a mesma capacidade que Winnicott para a “relação pessoal” espontânea. Em meu caso se comportou mais do que ele mesmo achava ou do que eu esperava como um “intérprete técnico”, mas é necessário fazer algumas reservas neste sentido. O conheci na década de 1950, quando já não se encontrava no apogeu de sua capacidade criativa e sua saúde começava a decair lentamente. Disse-me que na década de 1930 e na de 1940 havia tratado com sucessos vários pacientes esquizofrênicos e regressivos, e isso o tinha levado a sua “revisão teórica” na década de 1940. Considerava que tinha cometido um erro ao publicar sua teoria antes de contar com provas clínicas. Desde 1927 até 1935 se desempenhou como psiquiatra na The University Psychological Clinic for Children, e realizou muitos trabalhos para N.S.P.C.C.* É impossível ser pessoal com as crianças. Em certa ocasião lhe perguntou a uma menina cuja mãe lhe batia cruelmente: “Você gostaria encontrar uma mamãe boa?” A menina respondeu: “Não. Quero a minha mamãe”, mostrando assim a intensidade do vinculo libidinal com o objeto amado. O demônio conhecido é melhor que o demônio por conhecer, e melhor que a falta total de um demônio. De tais experiências com pacientes psicóticos e regressivos, e com crianças, surgiu sua revisão teórica, baseada na qualidade da relação progenitor-filho e não nos períodos do crescimento biológico, isto é, uma “teoria da personalidade”, e não uma “teoria impessoal do controle de energia”. Resumiu seus pontos de vista ao dizer que “a causa do problema é que os pais não conseguem se fazer sentir para com menino que o amam por isso é, como uma pessoa por direito próprio”. Pouco antes de 1950, quando já me tratava com ele, decidiu com sensatez não aceitar mais pacientes com regressões severas. Com surpresa, comprovei que voltava gradualmente a ser um “analista clássico”, com uma “técnica interpretativa”, quando eu sentia que necessitava fazer uma regressão ao nível daquele severo trauma infantil. Stephen Morse (1972), no seu estudo sobre a “estrutura” nos trabalhos de Winnicott e Balint, chegou à conclusão que ambos descobriam novos dados, mas não desenvolviam uma teoria estrutural capaz de explicá-los, o qual, no entanto, poderia conseguir mediante o que Morse chamou a “metáfora Fairbairn–Guntrip”. Havendo gozado das vantagens de analisar-me com estes dois notáveis terapeutas, considero que a situação é muito mais complexa. A relação entre Fairbairn e Winnicott é importante desde o ponto de vista histórico e também muito interessante. Aparentemente, eram muito diferentes em mentalidade e métodos de trabalho, o qual lhes impediu perceber até que ponto estavam perto um do outro em última instância. Ambos tinham profundas raízes na teoria e as terapias freudianas clássicas e, de diferentes atitudes, ambos abriram novos caminhos a partir daquelas. Fairbairn o compreendeu intelectualmente com mais claridade que Winnicott. No entanto, na década de 1950 Fairbairn era mais ortodoxo que Winnicott na prática clínica. Nessa época tive algo mais de mil sessões com Fairbairn e muito pouco mais de cento cinqüenta com Winnicott na década seguinte. Conservei sempre um registro detalhado de todas as sessões com ambos, e toda a correspondência. Winnicott assinalou: “Jamais tive um paciente que pudesse dizer-me com tanta exatidão que disse a última vez”. O ano passado [1974] o artigo de Morse me sugeriu um novo exame desses registros e me senti desconcertado ao comprovar até que ponto lançava luz sobre o motivo pelo qual minhas duas análises não puderam resolver minha amnésia com relação ao trauma sofrido aos três anos e meio, mas ambos, de diferentes atitudes, prepararam o caminho para sua resolução como uma conquista psicanalítico. Tive que perguntar-me mais uma vez: “Em que consiste o processo terapêutico analítico?” Em geral, comprovei que Fairbairn se mostrava mais ortodoxo na prática que na teoria, ao tempo que Winnicott era mais revolucionário na prática que na teoria. Ambos eram opostos completamentários. Na sua nota necrológica, Sutherland (1965) escreveu: Fairbairn tinha um ar levemente formal, notavelmente aristocrático, mas falando com ele comprovei que não era em absoluto formal nem distante. Para ele, a arte e a religião constituíam profundas expressões das necessidades humanas, pelas quais sentia profundo respeito, mas seus interesses revelavam uma atitude conservadora bastante desusada. Eu o encontrei formal nas sessões, o analista que interpreta com precisão intelectual, mas depois das sessões falávamos sobre teoria e ele costumava deixar de lado sua atitude formal, e pude descobrir um Fairbairn humano enquanto falávamos lado a lado. Em termos realistas, era meu pai bom, compreensivo depois das sessões e, durante estas e na transferência, era minha mãe má e dominante que me impunha interpretações exatas. Considero que, depois do período experimental e criativo da década de 1940, uma atitude conservadora se infiltrou lentamente na década seguinte. O golpe que significou a súbita morte de sua esposa em 1952 criou óbvios problemas domésticos. No começo da década de 1950 teve o primeiro de seus ataques de inacessibilidade, que se voltaram mais intensos à medida que transcorreram os anos. O dois anos posterior à morte de sua mulher os dedicou intensamente a seu excelente trabalho. “Observações sobre a natureza dos estados histéricos” (Fairbairn, 1954), que marcou o final de suas concepções originais. Em dois trabalhos (Fairbairn, 1952b, 1955) clarificou suas idéias sobre “Psicanálises e Ciência”, mas no seu trabalho seguinte, “Considerações derivadas do Caso Shereber” (Fairbairn, 1956), observa se uma mudança sutil. Aqui o autor voltou a sua psicologia do “Eu e as relações objetais”, segundo a qual tudo se explica sobre a base das excitações libidinais e os temores derivados da “cena primária”. Finalmente, no seu último trabalho, “Sobre a natureza e as metas do tratamento psicanalítico” (Fairbairn, 1958), toda a intenção está posta no “sistema fechado interno” da análise edipiana em sentido amplo, não em termos dos instintos, mas de relações libidinizadas e antilibidinizadas internalizadas com um objeto mau. Cheguei a ele para superar a amnésia com relação ao trauma provocado pela morte do meu irmão, para chegar ao que havia atrás desse episódio. Sentia que ali se encontrava a causa das minhas vagas experiências prévias de isolamento esquizóide e irrealidade, e sabia que tinham a ver com mais com minhas relações primordiais com minha mãe, ainda que só através da informação que ela me tinha proporcionado. Depois da morte do meu irmão Percy, iniciei uma ativa batalha com minha mãe que durou quatro anos e cujo objetivo era obrigá-la a “relacionar-se”; depois renunciei à tentativa e cresci afastado dela. Por motivos de ordem prática, descreverei essa época como o período de relações edipianas internalizadas com o objeto mal: povoava meus sonhos, mas uma e outras vezes faziam irrupções claras e súbitas experiências esquizóides que Fairbairn interpretou sempre como “retraimentos”, no sentido de “fugas” das relações internalizadas com o objeto mal. Fairbairn me levava constantemente aos conflitos edipianos, libidinais e antilibidinais, em meu “mundo interno”, as “cisões objetais” kleinianas e as “cisões psicóticas” de Fairbairn, no sentido de excitações libidinais edipianas. Em 1956 lhe escrevi para pedir-lhe que me dissesse exatamente que pensava sobre o complexo de Édipo e me respondeu: “O complexo de Édipo é básico para a terapia, mas não para a teoria”. Repliquei-lhe que não podia aceitar essa posição já que para minha teoria era a teoria da terapia e o que resultava válido para uma devia sê-lo para ambas. Desenvolvi uma dupla resistência consciente com relação a ele: em parte sentia que era minha mãe má que me obrigava a aceitar seus pontos de vista e, em parte, estava em aberto desacordo com ele por motivos genuínos. Comecei a insistir em que meu verdadeiro problema não tinha a ver com as más relações do período posterior à morte do meu irmão, mas com a incapacidade básica da minha mãe “para relacionar-se de algum modo” desde o começo. Disse-lhe que a análise edipiana me fazia marcar passo no lugar, me obrigava a utilizar relações más porque isso era melhor que nada, com o qual estas seguiam sendo operativas em meu mundo interno como uma defesa contra o problema esquizóide mais profundo. Em sua opinião, essa atitude constituía um rasgo caracterológico defensivo de “retraimento” (Fairbairn, 1952ª, Cap. 1). Para mim era um problema por si mesmo e não só uma defesa contra seu sistema fechado de tipo “mundo interno de relações com um objeto mau”. Mas minha análise edípica com Fairbairn não constituiu uma perda de tempo. É necessário analisar as defesas, e, além disso, me permitiu compreender que na verdade tinha reprimido o trauma da morte de Percy e tudo o que aquilo ocultava, construindo sobre ele uma complexa experiência de luta mantida nas relações de tipo objeto mau com minha mãe, que por sua vez também tive que reprimir. Essa era à base de meu “tropel” de sonhos e da aparição intermitente de sintomas de conversão. Durante muito tempo Fairbairn insistiu em que este era o verdadeiro núcleo da minha psicopatologia. Sem dúvida, estava errado, e também sem dúvida era necessário analisá-lo a fundo para poder alcançar níveis mais profundos. E isso foi o que sucedeu. Fenômenos esquizóides regressivos e negativos começaram a aparecer no material que lhe levava e, por último, começou a aceitar em teoria o que já não tinha forças para enfrentar na prática. Com grande generosidade, aceitou meu conceito de um “Eu regressivo”, dissociado de seu “Eu libidinal” e a concretização que era inútil seguir lutando por obter uma resposta da minha mãe. Quando publiquei essa idéia, Winnicott me escreveu para perguntar-me: “Quisesse saber se seu Eu regressivo é retraído ou reprimido”. Respondi-lhe: “As duas coisas. Primeiro retraído e depois se o mantém reprimido”. Fairbairn me escreveu o seguinte: esta é sua própria idéia, não a minha, é original e explica o que nunca pude explicar minha própria teoria, isto é, a regressão. O acento que põe na debilidade egóica. Produz melhores resultados terapêuticos que a interpretação em termos de dissimulações libidinais e antilibidinais. Em 1960, quando publiquei “Debilidade egóica, o verdadeiro núcleo do problema da psicoterapia”, disse em uma carta: “se pudesse escrever agora, me ocuparia precisamente desse tema”. Sabia que minha teoria era em geral correta já que conceitualizava o que ainda não podia alcançar através da análise, feito com que, com grande valentia, Fairbairn aceitou. Completarei minha descrição de Fairbairn como analista e como homem assinalando a diferença logo ao “tipo humano” entre ele e Winnicott, um fator que desempenha um grande papel na terapia. O marco do consultório cria uma atmosfera que encerra significado. Fairbairn vivia no campo e via a seus pacientes na antiga mansão dos Fairbairn em Edimburgo. Eu entrava a um salão grande que servia de sala de espera, mobiliado com belas e valiosas antigüidades, e passava ao estudo, que cumpria as funções de consultório, também muito amplo e com uma antiga biblioteca que ocupava quase toda uma parede. Fairbairn se sentava atrás de uma grande escrivaninha e me dava à sensação de ser uma espécie de alto dignatário em uma poltrona de veludo e apoio alto. A cabeceira do divã dava ao frente da escrivaninha. Às vezes sentia que podia inclinar-se sobre a escrivaninha e machucar-me na cabeça. Tudo isto me causava estranheza em alguém que não achava na teoria do “analista espelho”. Demorei muito em advertir que eu havia “eleito” essa posição do divã, pois também podia sentar-me em um pequeno poltrona que tive no curso do primeiro mês se evidenciou que esta situação imponente tinha também um significado transferencial inconsciente para mim. Devo explicar que meu pai foi predicador metodista de notável eloqüência como orador público e que, a partir de 1885, fundou e dirigiu um trabalho que chegou a transformar-se em uma Igreja que ainda existe. Nos sonhos de toda minha vida, apareceu sempre como uma figura de apoio frente a minha mãe e, na realidade, ela jamais se irritou na sua presença. Queria que Fairbairn fora na transferência um pai protetor que me ajudasse a fazer frente a minha mãe agressiva, mas sem dúvida inconscientemente sentia outra coisa, pois sonhei o seguinte: Me encontrava no ofício de meu pai. Fairbairn estava de pé sobre a plataforma mas tinha o rosto duro da minha mãe. Eu estava passivamente deitado em um divã colocado sobre o apartamento e cuja cabeceira dava ao frente da plataforma. O desceu e disse: “Você sabe que a porta está aberta?” Lhe respondi: “Eu não a deixei aberta”, e se mostrou perplexo ao ver o que tinha feito frente. Depois retornou à plataforma. Se tratava de uma versão mal distorcida de seu consultório e mostrava que eu queria que Fairbairn atuasse como um pai que proporciona apoio, mas que este desejo se via cancelado por uma clara transferência negativa com minha mãe severa e dominante. Esse seguiu sendo em geral o rol transferencial de Fairbairn “nas sessões” e o interpretava como o tipo de relação “sobe e baixa” entre o menino e o progenitor mau, no qual sempre um dos participantes domina ao outro. A situação só pode modificar-se se a investe. Isto me resultou muito de maneira muito esclarecedora, pois continha todos os ingredientes das necessidades insatisfeitas, a raiva afogada e a espontaneidade dividida. Foi à relação transferencial predominante nas sessões. Fora delas, Fairbairn era capaz de adotar uma atitude informal em nossas conversações sobre teoria e terapia: o pai bom e humano. Esta transferência negativa durante as sessões se via fomentada pelas suas interpretações intelectualmente muito precisas. Em certa ocasião interpretou o seguinte: “Algo impede o processo ativo no curso de seu desenvolvimento”. Eu teria dito: “Sua mãe achatou seu self naturalmente ativo”. Mas analisou com toda exatidão minha luta emocional por obrigar a minha mãe a atuar como tal depois da morte de Percy e me mostrou de que modo a havia internalizado. Era necessário fazer isso primeiro, mas, em sua opinião, constituía o problema edípico central e não pôde aceitar até que foi muito demore que essa situação ocultava um problema muito mais profundo e sério. Mas demorei, Winnicott assinalou em duas ocasiões: “No senhor não há signos de haver tido jamais um complexo de Édipo”. Meu padrão familiar não era edipiano: o mesmo se via em meus sonhos, um dos quais o revela com particular claridade. Me encontrava sitiado e falava sobre o tema com meu pai, ambos sentados em uma quarto. Era minha mãe a que me sitiava e eu lhe dizia a meu pai: “Você sabe que jamais me renderei a ela. Não importa que suceda. Jamais me renderei”. Meu pai respondeu: “Se, lo sei. Irei a decírselo”. Afastava-se para dizer-lhe a minha mãe: “Será melhor que você renuncie”. “Nunca você conseguirá dominar”. E minha mãe seguia seu conselho. A insistência de Fairbairn em fazer interpretações edipianas que eu não podia aceitar como definitivas o colocava no papel da mãe dominadora. Inteiramos-nos que Winnicott e Hoffer consideravam que meu apoio à teoria de Fairbairn se devia a que esta não lhe permitia analisar minha agressão na transferência. Mas nunca me viram atirar ao chão seu cinzeiro de pé, dar-lhe um pontapé ao sutiã de porta de vidro, “acidentalmente”, sem dúvida (e todos sabem o que isso significa em uma sessão, como Fairbairn costumava assinalar). Não me viram quando em uma ocasião esparramei sobre o apartamento alguns dos livros que ocupavam as prateleiras da enorme biblioteca, como símbolo de “arrancar-lhe uma resposta a minha mãe”, e depois colocá-los ordenadamente no seu lugar para fazer uma reparação à Melanie Klein. Mas depois das sessões podíamos falar e eu sempre encontrava ao ser humano espontâneo e cálido atrás do analista que me fazia interpretações exatas. A melhor maneira de descrevê-lo é através de uma comparação com Winnicott. O consultório deste era simples, discreto quanto a cores e móveis, nada ostentoso, cuidadosamente planejado pelos Winnicott, segundo me disse a esposa, para que o paciente se sentisse cômodo. Eu costumava bater e depois entrava e poucos segundos depois Winnicott aparecia com uma xícara de chá na mão e um alegre “Olá”, e se sentava em uma pequena cadeira de madeira junto ao divã. Eu me sentava de costado no divã ou me recostava quando sentia desejos de fazê-lo, e mudava livremente de posição segundo o que sentia ou o que dizia nesse momento. Ao terminar a sessão, sempre estendia a mão para estreitar a minha em gesto cordial. Quando me despedia de Fairbairn depois da última sessão, compreendi de repente que em todo esse tempo nunca nos tínhamos dado a mão e que me deixava partir sem esse gesto amistoso. Estendi a mão e ele não vacilou em tomá-la; de repente as lágrimas se deslizaram pelas suas bochechas. Vi o coração mole desse homem de mente clara e natureza tímida. Convidou-me a tomar o chá em companhia da minha mulher toda vez que visitássemos a minha sogra em Perthshire. Para que o final da minha análise com Fairbairn resulte significativo, devo apresentar um breve rascunho da minha história familiar. Minha mãe era uma “madrecita” afligida antes de casar-se, a maior de onze irmãos a quatro dos quais viu morrer. Sua mãe tinha sido rainha de beleza e era uma mulher frívola que deixou que a filha maior se encarregasse de tudo desde que teve idade para ir à escola. Minha mãe, aos doze anos, fugiu da casa onde se sentia muito desventurada, mas a fizeram retornar. Sua melhor virtude era um profundo sentido do dever e da responsabilidade para com sua mãe viúva e seus três irmãos menores, o qual impressionou muito a meu pai quando todos eles ingressaram ao seu convívio. Casaram-se em 1898. Meu pai não sabia que sua esposa já tinha cumprido com sua quota de maternidade e não desejava ter filhos. Em minha adolescência às vezes minha mãe me fazia confidências e me contava os fatos mais destacados da história familiar, por exemplo, que tinha decidido amamentar-me para evitar assim outra gravidez e que se tinha se negado a amamentar Percy, depois ao qual não quis ter relações com meu pai. Este era o filho menor de uma família conservadora de classe alta e pertencente à Igreja oficial, politicamente o rebelde de esquerda e desde o ponto de vista religioso o não conformista. Meu pai esteve a ponto de perder seu emprego por negar-se a assinar uma petição a favor da guerra contra os boers. Esse momento de ansiedade proporcionou a minha mãe a oportunidade de detestar-me, de repente e abrir uma loja. Mudamos-nos quando eu tinha um ano. Minha mãe escolheu um mal o lugar e perdeu dinheiro durante sete anos, mesmo que a mudança seguinte lhe permitiu recuperar mais do que tinha perdido. Esses primeiros sete anos da minha vida, seis dos quais transcorreram na primeira loja, constituíram o período severamente perturbado da minha vida. Fiquei ao cuidado de uma tia inválida que vivia conosco. Percy nasceu quando eu tinha dois anos e morreu um ano e meio depois. Minha mãe disse que meu pai sustentava que Percy teria vivido se ela o tivesse amamentado, fato este que a enfureceu. Foi uma época muito convulsionada. Já velha, quando vivia em minha casa, costumava dizer coisas reveladoras: “Jamais devia ter me casado e ter tido filhos. A natureza não me fez para ser esposa e mãe, mas uma mulher de negócios” e “Acho que jamais compreendi as crianças. Nunca me interessaram”. Disse-me que, quando eu tinha três anos e meio, entrei no seu quarto e vi a meu irmão desnudo e morto na sua saia. Lancei-me sobre Percy e disse: “Não vou deixar você ir.” Minha mãe disse Nunca você voltará a encontrá-lo”. Me fez sair do quarto e eu adoeci de um mal misterioso, a tal ponto que se pensou que morreria. O médico lhe disse: “Se está morrendo de pena pelo seu irmão, se sua intuição de mãe não pode salvá-lo, eu também não”, motivo pelo qual me levou a casa de uma tia materna que tinha vários filhos e junto do qual me recuperei. Tanto Fairbairn como Winnicott pensava que teria morrido se não me tivesse afastado dela. A lembrança desse episódio estava totalmente reprimido. A amnésia persistiu durante o resto da minha vida e apesar das duas análises, até há três anos, quando cumpri setenta, mas a lembrança permaneceu viva em mim e, sem que eu o soubesse, feitos correlação ao longo dos anos serviram para desencadear. Aos 26 anos, já na universidade, me fiz amigo de um companheiro que foi para mim a figura de um irmão. Quando deixou a universidade e eu retornei a casa para as férias, “me adoeci” devido a um misterioso esgotamento que desapareceu logo retornei à universidade. Não tinha idéia naquele momento que este era o equivalente da família dessa tia. Em 1938, à idade de 37 anos, me transformei em ministro de uma Igreja de Leeds cujas atividades educacionais, sociais e recreativas era numerosas e muito organizadas. Os domingos acudiam mil pessoas às reuniões vespertinas e oitocentas às noturnas. Era muito para um só ministro. Vinha um colega que se transformou em outro substituto do meu irmão Percy. Se afastou de Leeds quando a ameaça de uma guerra começou a converter-se na verdade. Voltei a adoecer do mesmo mistério. Logo atribuiu a excesso de trabalho, mas para esse momento, então, eu já contava com consideráveis conhecimentos psicanalíticos: tinha estudado a teoria clássica com Flugel, conhecia a bibliografia básica, estava escrevendo uma tese sob a supervisão do professor John McMurray na qual me propunha traduzir a psicobiología de Freud ou, pelo contrário, os dados clínicos, aos termos de uma filosofia das “relações pessoais”, e tinha estudado meus próprios sonhos durante dois anos. Portanto, já me encontrava alerta quando esta doença trouxe outro sonho importante. Eu descia a um túmulo e via a um homem enterrado vivo. Este tratava de sair, mas eu o ameaçava com a doença, o trancava e me afastada com rapidez. Ao amanhã seguinte me senti melhor. Pela primeira vez reconheci a reaparição da minha doença depois da morte de Percy e compreendi que sempre tinha vivido sobre a base de sua repressão. Soube então que não poderia descansar até haver resolvido o problema. Quando começou a guerra me dediquei à psicoterapia de emergência, me outorgaram uma cátedra na Faculdade de Medicina e segui estudando meus próprios sonhos. Há pouco voltei a ler o registro correspondente e comprovei que só tinha feito interpretações edipianas algumas forçadas e típicas de livros de texto. O mais importante era que se destacavam três tipo de sonhos: 1) uma mulher selvagem me atacava; 2) uma figura paterna serena, firme e amistosa que me apoiava, e 3) um misterioso sonho com ameaças de morte, o exemplo mais claro baseado na lembrança de um episódio no qual, quando eu tinha seis anos, minha mãe me levava ao dormitório da minha tia invalida, que jazia branca e silenciosa e à qual todos achavam à beira da morte devido a uma febre reumática. Este é um dos sonhos: Trabalhava na planta baixa sentado a minha escrivaninha quando, de repente, uma banda invisível de ectoplasma que me atava a uma inválida moribunda, no primeiro andar me arrastava fora do quarto. Sabia que terminaria por me engolir. Lutei e de repente a aquilo que me atava uma fita, se soltou e soube que estava livre. Tinha suficientes conhecimentos para supor que a lembrança da minha tia moribunda cumpria um papel encobridor com relação à lembrança reprimida do meu irmão morto, que seguia exercendo em mim uma influência inconsciente que me apartava da vida e me levava para a derrocada e a morte aparente. Sabia que em algum momento deveria iniciar uma análise. Em 1946, o professor Dicks me nomeou primeiro membro titular do novo Departamento de Psiquiatria e me comentou que, dados meus pontos de vista, me conviria ler Fairbairn. Assim o diz e, para fins de 1949, comecei a analisar-me com ele. Durante os primeiros anos, sua análise edipiana em sentido amplo, do meu mundo de “relações internalizadas com um objeto mau” correspondeu a um período da minha infância. Depois da morte de Percy e meu retorno ao lar, entre os três anos e meio e os cinco, lutei por obrigar a minha mãe a atuar como tal com relação a mim mediante constantes transtornos psicossomáticos triviais: dor de estômago, perda do apetite, resfriado e febre alta e repentina, ocasiões nas quais me armava uma espécie de cama na cozinha e ia e vinha da tenda de ver-me. Disse-me que o médico lhe tinha dito: “Nunca voltarei a ver seu filho. Realmente me atemorizam suas súbitas Febres e comprovar ao amanhã seguinte que está bem”. Mas tudo foi em vão. Quando tinha aproximadamente cinco anos decidi mudar de tática. Uma escola nova e maior me deu mais independência e minha mãe me disse: “Você começou a deixar de lado ao que te digo”. Entre os cinco e os sete anos, costumava irritar-se e machucar-me. Cada vez que se rompia a vara com que me batia, me enviava a comprar outra. Aos sete anos passei a uma escola ainda maior e pouco a pouco desenvolvi uma vida independente fora da minha casa. Voltamos a mudar nos quando cumpri oito anos. A outra loja de minha mãe teve um grande sucesso comercial. Começou a sentir-se menos deprimida, me dava todo o dinheiro que necessitava para meus passatempos e atividades ao ar livre, excursões, esportes, e pouco a pouco esqueci quase todas as lembranças desses primeiros sete anos que tinham sido tão maus. A análise de Fairbairn se ocupou precisamente de todos os temores, raivas, culpa, sintomas psicossomáticos passageiros, sonhos perturbados e da ventilação dos conflitos entre os três anos e meio e os sete. Sendo já idosa, minha mãe me disse: “Quando teu pai e a tia Mary morreram e eu fiquei só, quis ter um cachorro na casa, mas tive que abandonar a idéia. Não podia deixar que te atacasse”. Isso é o ocorreu comigo. Não estranho que tivesse um mundo interno de relações internalizadas com um objeto mau, libidinalmente excitado, e devo muito a profundo análise de Fairbairn em tal sentido. Mas depois dos primeiros três ou quatro anos cheguei em convencer-me que isto me obrigava a permanecer em um mundo interno sado masoquista de relações com um objeto mau com minha mãe, como uma defesa contra problemas muito diferentes no período prévio à morte de Percy. Este material mais profundo pressionava por sair à superfície. O episódio desencadeante teve lugar em dezembro de 1957 com a súbita morte do meu antigo amigo, cujo afastamento da universidade provocou o primeiro episódio da doença-Percy em 1927. Pela terceira vez o esgotamento se apoderou de mim. Conservava suficientes forças como para trabalhar e viajar para Edimburgo para analisar-me, com a sensação que agora podia chegar ao fundo do problema. Então, justamente quando sentia que estávamos avançando, Fairbairn contraiu uma gripe viral. Motivo este que esteve a ponto de morrer e não pôde trabalhar durante seis meses. Tive que restabelecer a repressão, mas de imediato comecei a “intelectualizar” o problema que não podia elaborar com ele em pessoa. Não se tratava de uma pura intelectualização mediante um pensamento deliberado. Em todo momento surgiam insights espontâneos, e eu os anotava à medida que apareciam com intensidade cada vez maior. Este material deu origem a três trabalhos que se transformaram na base de meu livro Schizoid Phenomena Object-Relationd and The Self (1968): “Debilidade egóica, o núcleo do problema das psicoterapias”, escrito em 1960 (Capítulo 6), “O problema esquizóide, a regressão e a luta por preservar um Eu” (Capítulo 2), escrito em 1961, e “O problema maníaco-depressivo à luz do processo esquizóide” (Capítulo 5), escrito em 1962. Em dois anos me levaram além do ponto em que se tinha detido Fairbairn, quem aceitou generosamente este fato como uma ampliação válida e necessária de sua teoria. Quando Fairbairn voltou a trabalhar em 1959, me referi à morte do meu amigo e à doença. “Já não sou seu pai bom nem sua mãe má, mas seu irmão que morre no senhor”. De repente vi toda a situação analítica sob uma luz extraordinária e lhe escrevi uma carta que ainda conservo mas que nunca lhe enviei. Sabia que essa carta o obrigaria a um esforço que sua precária saúde não poderia tolerar. Compreendi de repente que jamais poderia resolver meu problema como um analista. Para ele escrevi: “Me encontro em um dilema. Devo colocar fim a minha análise para ter oportunidade de completá-la, mas, por outra parte, não conto com o senhor para ajudar-me em tal sentido”. Uma vez que Fairbairn se transformou em meu irmão na transferência, o fato de perdê-lo, fora pondo um fim no análise ou permanecendo com ele até sua morte, representaria a morte de Percy e eu sofreria uma irrupção em grande escala desse fato traumático sem contar com nenhuma ajuda. Poderia Fairbairn ter ajudado em tal sentido na análise da transferência? Não no seu precário estado de saúde, e nesse ano me desinteressei gradualmente da minha análise. Tenho insolentes motivos para estar-lhe agradecido por haver permanecido junto de mim, apesar de sua saúde cada vez mais débil, até que havia alcançado esse insight crítico. O motivo principal que me levou a formular minha teoria em 1952-1962 foi o reativação do trauma de Percy, que provocou um corrente de idéias espontâneas. Pude contê-lo e utilizá-lo para a investigação construtiva, em parte porque renunciava gradualmente a Fairbairn e, em parte, porque este aceitou a invalidez das minhas idéias e também porque eu tinha decidido analisar-me com Winnicott antes que Fairbairn morresse. Fairbairn me apresentou a Winnicott em 1954 quando lhe pediu que me fizesse chegar um exemplar de seu trabalho: “regressão dentro do marco psicanalítico” (em Winnicott, 1958). Me o enviou e, para minha surpresa, acrescentou uma carta na qual dizia: “O convido a estudar o tema de sua relação com Freud, de modo que possa ter sua própria relação e não a de Fairbairn. Este destrói seu excelente trabalho com seu desejo de derrubar a Freud”. Intercâmbios cartas em outras três ocasiões. Assinalei que minha relação com Freud tinha ficado estabelecida muitos anos antes de ouvir falar de Fairbairn, quando estudava com Flugel em Londres. Eu rejeitava a psicobiologia dos instintos de Freud, mas compreendia a enorme importância de seus descobrimentos em psicopatologia. Com relação a essa correspondência, compreendo agora que me antecipei em 18 anos à conclusão de Morse (1972) e quase com suas mesmas palavras: “o Self Verdadeiro de Winnicott não é realizado na teoria freudiana. Só é possível encontrá-lo no ego (isso), mas isso resulta numa impossibilidade devido a que o Ego ( Isso) não é mas que energia impessoal”. De fato, sentia que Winnicott tinha deixado tão atrás na terapia como Fairbairn na teoria. Em 1961 lhe enviei um exemplar do meu livro Estrutura da personalidade e interação humana (Guntrip, 1961) e me respondeu que já tinha comprado um exemplar. Eu lia seus trabalhos à medida que se publicavam e o mesmo fazia Fairbairn, quem o descrevia como “clinicamente brilhante”. Para 1962 não duvidava que era o único homem ao que podia recorrer na busca de ajuda. Por essa época só podia viajar para Londres uma vez por mês para ter um par de sessões, mas a experiência analítica com que contava me permitiu tirar bom partido delas. Entre 1962 e 1968 tive 150 sessões, cujo valor era muito superior a seu número. Winnicott manifestou que lhe surpreendia haver elaborado tanto com sessões tão separadas entre si, o qual se deveu, segundo acho, a todo o trabalho preliminar que tinha realizado Fairbairn e ao feito que eu podia manter vivo a análise entre uma sessão e outra, mas sobretudo aos profundos insights intuitivos de Winnicott com relação ao período da infância que eu tanto necessitava esclarecer. Winnicott me permitiu obter provas notavelmente claras que minha mãe tinha tido um período inicial de genuína atitude maternal comigo, seu primeiro filho, durante, talvez um par de meses, antes que seus problemas de personalidade me privassem dessa “mãe boa”. Tinha esquecido totalmente a carta que nunca lhe enviei a Fairbairn sobre o dilema em que me encontrava, isto é, não poder por um fim no análise nem continuar com ele, uma vez que meu analista se transformou em Percy na transferência. Por um fim no análise equivaleria à morte de Percy e não contaria com ninguém que me ajudasse a tolerar as conseqüências. Se não punha um fim na análise, o único que faria seria utilizar a meu analista para impedir a irrupção do trauma e, portanto, não receberia nenhuma ajuda ao respeito e correria o risco que aquele morresse. Também minha análise com Winnicott não me permitiu superar minha amnésia com relação a este trauma cedo. Só há pouco pude compreender que, de fato e se sabê-lo, modificou toda a natureza do problema ao permitir-me recuperar uma mãe boa inicial e encontrá-la nele e na transferência. Descobri mais demore que me havia posto em condições de enfrentar o duplo trauma da morte de Percy e a atitude da minha mãe para mim. Quando volto a ler meus registros me surpreende a rapidez com que Winnicott chegou ao núcleo do problema. Na primeira sessão mencionei minha amnésia com relação ao trauma da morte de Percy e sentia que com Fairbairn tinha feito uma análise profunda das “resistências internalizadas contra o objeto mau” que tinha construído contra esse trauma, mas que nunca tínhamos chegado no que, na minha opinião, constituía o problema básico, isto é, não a mãe de forma ativa objeto mau da infância, mas a mãe anterior que não tinha podido relacionar-se em absoluto. Quase no final da sessão me disse: “Não tenho nada em particular que dizer, mas se não falo o senhor pode começar a sentir que não estou aqui”. Na segunda sessão assinalou: O senhor sabe coisas sobre mim, mas ainda não sou uma pessoa para o senhor. É possível que vá sentindo que está só e que eu não sou real. Deve haver tido uma enfermidade anterior ao nascimento de Percy e possivelmente sentiu que sua mãe o abandoava e o senhor devia cuidar de se mesmo. Aceitou a Percy como seu próprio Self infantil que necessitava cuidados. Quando morreu, o senhor ficou sem nada e se derrubou. Foi uma interpretação perfeita do tipo “relações objetais”, mas feita de Winnicott, não de Fairbairn. Ainda que demore assinalei que em algumas ocasiões experimentava uma sensação estática, inalterável, inanimada, muito funda em meu interior, e sentia que não podia movimentar-me. Winnicott respondeu: Se cem por cento do senhor se sentisse assim, provavelmente não poderia movimentar-se e alguém teria que despertá-lo. Quando Percy morreu, o senhor se derrubou, mas conseguiu salvar o suficiente do senhor mesmo como para seguir vivendo, com grande energia e colocou o resto em um botão de flor, como o do verme de seda, reprimido, inconsciente. Gostaria de ter tempo para ilustrar com maiores detalhes seu penetrante insight, mas devo dar outro exemplo. Assinalei que as pessoas a miúde se referiam a minha atividade e energia inesgotáveis e que nas sessões não me agradavam os momentos de silêncio e às vezes falava muito. Segundo Fairbairn, tentava assim tomar o controle da análise e realizar sua tarefa: roubar o pênis paterno, rivalidade edipiana. Winnicott lançou uma nova e dramática luz sobre esta tendência: “Seu problema consiste em que essa tendência a derrubar-se nunca se resolveu”. Tive que manter-lo vivo apesar dela. Não pude dar por certa sua existência ativa. Tive que esforçar-me muito por mantê-lo. Temi deixá-lo de atuar, de falar ou de estar desperto. Senti que poderia morrer em um momento de inatividade ou silêncio, da mesma forma que Percy, “por que que se deixa de atuar, sua mãe não pode fazer nada. Não poderia salvar a Percy ou ao senhor.”Inevitavelmente teme que eu não possa mantê-lo vivo, pela qual mantém relacionadas duas sessões mensais comigo mediante seus registros. Não deve haver brecha alguma. Não pode sentir que eu experimente um interesse permanente pelo senhor, porque sua mãe não pôde salvá-lo. O senhor é uma pessoa capacitada por “estar ativo”, mas não em “simplesmente crescer, simplesmente respirar” você dorme, sem que tenha que fazer nada a respeito”. Comecei a poder tolerar alguns momentos de silêncio e em certa ocasião, sentindo-me algo ansioso, me aliviou ouvir que Winnicott se movimentava. Não disse nada, mas, com surpreendente intuição, Winnicott me assinalou: Começou a temer que eu o abandonasse. Sente que o silêncio é abandono. A brecha não consiste em que o senhor esqueça a sua mãe, mas em que esta o esqueça ao senhor, e agora volta a viver essa situação comigo. Está começando a recuperar um trauma prévio que talvez jamais tivesse encontrado sem a ajuda da repetição que significou o trauma de Percy. Tem que lembrar o abandono de sua mãe transferindo-o a mim. E finda como que quase impossível transmitir a fundo a impressão que me produziu, comprovar que Winnicott trabalhava diretamente com o vazio de minha “situação de relações objetais” no começo de minha vida com uma mãe incapaz de relacionar-se. Quase no final da minha análise reapareceu minha tendência a falar incessantemente durante a sessão. Esta vez me fez um assinalamento diferente e extraordinário: É como se desse à luz um menino com minha ajuda. Dedicou-me meia hora de bate-papo concentrado, rico em conteúdo. Tive que fazer um esforço para escutá-lo e conter a situação para o senhor. O senhor necessitava saber que eu podia tolerar que me falasse assim sem ficar destruído. Tinha que suportá-lo enquanto o senhor se encontrava no trabalho de parto, com uma atitude criativa, não destrutiva, produzindo algo rico quanto a seu conteúdo. O senhor está falando de “relacionar-se com objetos”, “utilizar o objeto” e comprovar que não o destrói. Não poderia haver-lhe feito esta interpretação há cinco anos. Não demorou apresentou nos Estados Unidos seu trabalho sobre “O uso do objeto” (em Winnicott, 1971) e foi alvo de muitas críticas, o que, na minha opinião, era de esperar. Só um homem excepcional podia haver chegado nessa classe de insight. Transformou-se em uma boa mãe-peito para mim, Self infantil em meu inconsciente profundo. No ponto em que minha verdadeira mãe tinha perdido sua atitude maternal e já não podia tolerar-me como um bebê vivo. Nesse momento não compreendi, como se sucedeu mais demorei a perceber, que tinha transformado toda minha compreensão do trauma da morte de Percy, sobretudo quando acrescentou: “Também o senhor tem um peito bom. Sempre foi mais capaz de dar que de receber. Sou bom para o senhor é bom para mim. Analisá-lo é quase o mais tranqüilizador que me acontece. O paciente anterior para o senhor há sentir que não sirvo para nada. Não tem que ser bom comigo. Não o necessito e posso ordená-las sem isso, mas o certo é que é o senhor é bom. Por último tinha uma mãe que podia valorar seu filho e por isso pude fazer frente ao que haveria de vir. Quase não vale a pena mencionar que as únicas ocasiões em que estava em desacordo com Winnicott foram quando se referia a “chegar ao seu sadismo primitivo, a crueldade e a atitude implacável do bebê, sua agressão“, de uma maneira que não sugeria minha luta raivosa por alcançar uma resposta da minha mãe fria, mas a “teoria do instinto” de Freud e Klein, o Ego (Isso), a agressão inata, porque sabia que Winnicott rejeitava o “instinto de morte” e tinha chegado muito além que Freud quando procurei por ele. Em certa ocasião me disse: “Estamos em desacordo com Freud. A ele lhe interessava curar os sintomas. A nós nos interessam as pessoas, você viva, pessoas que vivem e amam”. Fazia 1967 escreveu um trabalho, do qual me entregou um exemplar, “A localização da experiência cultural” (em Winnicott, 1971) no qual assinalava: “compreendo que me encontro no território de Fairbairn: ‘busca de objeto', em contraste com ‘busca de satisfação' ”. Senti então que Winnicott e tinham unido suas forças para neutralizar meus mais adiantados anos traumáticos. Devo completar esta descrição com o único feito com que não pude prever: que Winnicott se transformasse na mãe boa, que me permitisse estar vivo e criativo, transformou a significação da morte de Percy de modo tal que me permitiu resolver esse trauma e meu dilema de poder por fim à análise. Ao relacionar-se comigo em meu inconsciente profundo, Winnicott me permitiu ver que não se tratava só da perda de Percy, mas também do fato de ficar só com a mãe que não podia manter-me vivo, o que provocou mim derrubada e minha aparente agonia. Mas, graças aos seu profundo insight intuitivo, agora não estava só com uma mãe incapaz de relacionar-se. Eu o vi pela última vez em Julio de 1969. Em fevereiro do ano seguinte minha médica me disse estava trabalhando muito, e que, não deixava de fazê-lo, “a Natureza me obrigaria”. Devo fazer sentido inconscientemente que se tratava de uma ameaça que a “Mãe Natureza” terminaria por achatar meu Self ativo. Cada vez que descansava sentia a compulsão a retornar ao passado, que se expressava como o desejo de repassar os detalhes da partida do ministro que havia mas uma “figura fraterna” em 1938, e meu posterior esgotamento. Em breve compreendi que isto era significativo e decidi escrever toda a história da minha vida, como se tivesse que descobrir tolo o que me tinha ocorrido. Em outubro contraí pneumonia e passei seis semanas no hospital. O especialista me disse: “Deve descansar”. É muito ativo”. Seguia sem compreender que lutava contra uma regressão compulsiva inconsciente. Nunca tinha relacionado a idéia de “deixar de trabalhar” com o profundo temor a perder minha batalha com mina mãe para manter vivo meu Self ativo. Depois de uma lenta recuperação durante o inverno, no dia primeiro de janeiro de 1971 me inteirei que Winnicott tinha tido um ataque de influenza. Me apressei a averiguar através de Masud Khan como se encontrava Winnicott e me respondeu que já estava trabalhando e que queria ter notícias de seus amigos, pelo qual lhe enviei umas linhas. Logo depois soou o telefone e uma voz conhecida disse: “Olá. Graças pela sua carta”, e conversamos uns minutos. Cerca de mais duas semanas mais tarde telefone voltou a soar e era sua secretária: me disse que tinha morrido. Essa mesma noite tive um sonho surpreendente. Vi a minha mãe, de preto, imobilizada, contemplando fixamente o espaço, ignorando me totalmente enquanto eu a olhava e me sentia congelado até lhe paralisia total: era a primeira vez que a via assim em um sonho, já que antes sempre me tinha atacado. Meu primeiro pensamento foi: “Perdi a Winnicott e estou só com minha mãe, afundada na depressão e sem ter notícias da minha existência. Assim me senti quando morreu Percy”. Pensei que tinha tomado a perda de Winnicott como uma repetição do trauma de Percy. Só nos últimos tempos me tenho dado conta que estava totalmente errado. Não sonhei assim com minha mãe quando morreu meu companheiro de estudos ou quando meu colega deixou a igreja. Nessas ocasiões me adoeci, como tinha ocorrido depois da morte de Percy. Esta vez se tratava de algo muito diferente Esse sonho foi o primeiro de uma série que prosseguiu noite após noite e me levou em ordem cronológico através de todas as casas em que tinha vivido, em Leeds, Ipswich, a universidade, a segunda loja em Dulwich e, por ultimo, à primeira loja na primeira casa dos primeiros sete anos da minha vida. Figuras familiares, minha esposa, minha filha, minha tia María, meu pai e minha mãe reapareciam uma e outra vez – meu pai sempre prestando-me apoio, minha mãe sempre hostil – mas não havia sinais de Percy. Tratava de permanecer no período posterior a sua morte, o período da batalha com minha mãe. Depois, depois de aproximadamente dois meses, dois sonhos me permitiram superar a amnésia com relação à vida e a morte de Percy. Fiquei atônito ao ver-me em um sonho no qual tinha três anos e podia reconhecer-me claramente, sustentado um berço no qual se encontrava meu irmão irmão, que tinha um ano. Estava tenso, olhando ansiosamente à esquerda, onde se achava minha mãe, para ver se nos prestava atenção. Mas ela tinha o olhar perdido no vazio, não se ocupava de nós, como no primeiro sonho dessa série. A noite seguinte tive um sonho mais ainda surpreendente: Esse sonho foi o primeiro de uma série que prosseguiu noite após noite e me levou em ordem cronológico através de todas as casas em que tinha vivido, em Leeds, Ipswich, a universidade, a segunda loja em Dulwich e, por ultimo, à primeira loja na primeira casa dos primeiros sete anos da minha vida. Figuras familiares, minha esposa, minha filha, minha tia María, meu pai e minha mãe reapareciam uma e outra vez – meu pai sempre prestándome apoio, minha mãe sempre hostil –, mas não havia sinais de Percy. Tratava de permanecer no período posterior a sua morte, o período da batalha com meu mãe. Depois, depois de aproximadamente dois meses, dois sonhos me permitiram superar a amnésia com relação à vida e a morte de Percy. Fiquei atônito ao ver-me em um sonho no qual tinha três anos e podia reconhecer-me claramente, sustentado uma cunita na qual se encontrava mim irmão, que tinha um ano. Estava tenso, olhando ansiosamente à esquerda, onde se achada minha mãe, para ver se nos prestava atenção. Mas ela tinha o olhar perdida no vazio, não se ocupava de nós, como no primeiro sonho dessa série. A noite seguinte tive um sonho mais ainda surpreendente: Me encontrava de pé junto de outro homem, meu próprio duplo, e os dois estendíamos a mão para agarrar um objeto murto. De repente, o outro homem se derrubava como uma sacola de papas. O sonho mudou de repente e estava em um quarto iluminada, onde voltava a ver a Percy. Sabia que era ele, sentado nas saias de uma mulher que carecia de rosto, braços ou peito. Não era mais que as saias para sentar-se, não uma pessoa. Percy se via profunda- mente deprimido, com as comissuras dos lábios para abaixo, e eu tratava de fazê-lo sorrir. Nesse sonho tinha recuperado à lembrança de uma derrubada quando o vi como um objeto morto e tratei de agarrá-lo. Mas tinha feito mais ainda. Na verdade, em ambos sonhos tinha retrocedido até a época anterior a sua morte, para ver à mãe despersonalizada e “sem rosto”, a mãe deprimida e de preto, que não tinha podido relacionar-se com nenhum dos dois. Winnicott me tinha dito: “O senhor aceitou a Percy como a seu próprio Self infantil que necessitava cuidados. Quando ele morreu, o senhor ficou sem nada e se derrubou”. Por Que sonhei primeiro com “derrumbarme” e depois com retornar para cuidar de Percy? Supus que a derrubada foi meu primea reação de desesperança aterrada ante o golpe que significou encontrar Percy morto nas saias da minha mãe, mas na família da minha tia aproveitei a oportunidade para permanecer vivo ao encontrar outros seres pelos quais podia viver. Esta série de sonhos me fez repassar todos os registros da minha análise até que compreendi que, mesmo que a morte de Winnicott me tinha feito lembrar a de Percy, a situação era completamente diferente. Esse processo de regressão não tinha começado com a morte de Winnicott mas com a ameaça de “deixar de trabalhar”, como se minha mãe tivesse alcançado por último solapar minhas forças. Não sonhei com a morte de Winnicott mas com a de Percy e com total incapacidade da minha mãe para relacionar-se conosco. Que melhor prova se poderia ter do acertado das palavras de Winnicott quando me disse: “Não existe isso que se considera um bebê”, isto é, deve haver uma “mãe e bebê”, e daí melhor prova do acerto de Fairbairn no sentido que a realidade psíquica básica é a “relação objetal pessoal?” Que me deu forças em meu inconsciente profundo para voltar a enfrentar esse trauma básico? Deve haver sido porque Winnicott não estava não podia estar morto para mim, e sem dúvida também não para muitos outros. Nunca pude sentir que meu pai estava morto, mas profundamente vivo em mim, ajudando-me a enfrentar a ativa influência inibitória e paralisante da minha mãe. Agora Winnicott estava de forma ativa relacionado precisamente com minha parte perdida que adoeceu porque minha mãe não se relacionou comigo. Ocupou o lugar da minha mãe e fez com que me resulte possível e seguro recordá-la em uma repetição onírica de seu retraimento esquizóide paralisante. Lentamente, isso se transformou em uma firme convicção que crescia em mim e me recuperei do turbulento transtorno dessa série de sonhos autonomamente regressivos, sentindo que por último tinha colhido os frutos que tinha buscado na análise ao longo de 20 anos. Uma vez elaborados todas as lembranças detalhados, os sonhos, os sintomas de feitos traumáticos, as pessoas e as tensões emocionais específicas só uma coisa ficava: lhe qualidade da atmosfera geral das relações pessoais que constituíram nossa vida familiar nesses primeiros sete anos. Persiste como uma sensação de tristeza pela minha mãe, que sofreu tanto dano na sua infância, que não pôde ser seu “verdadeiro Self” nem permitir que eu fora o meu. Não posso ter lembranças diferentes. Mas isso se vê em oposição pelo meu descobrimento em análise do grau em que meu pai se transformou em uma firme posição mental em mim, apoiando minha luta por encontrar meu ser, meu “verdadeiro Self” e pelo fato de que Fairbairn alcançou resolver minha transferência negativa com ele como minha mãe dominante até que se transformou em outro pai bom que tinha fé em mim e, por ultimo, pelo fato de que Winnicott pôde penetrar no vazio deixado pela minha mãe incapaz de relacionar-se, de modo que eu pudesse experimentar a segurança de ser meu próprio Self. Devo acrescentar que sem a compreensão e o apoio da minha esposa não poderia ter me submetido a essas análises nem alcançar esse resultado. Que é a psicoterapia psicanalítica? Na minha opinião, consiste em proporcionar uma relação humana confiável e compreensiva de um tipo que estabelece contato com o menino traumatizado profundamente reprimido, de modo tal que permite ao paciente voltar cada vez mais capaz de viver, na segurança de uma nova relação real, com a herança traumática dos mais adiantados anos formativos, à medida que se insinuam ou irrompem na consciência. A teoria psicanalítica não é como uma “técnica” das ciências experimentais, uma “coisa-em-sim-mesma” objetiva que funciona em forma automática. Constitui um processo de interação, uma função de dois volúveis, as personalidades de dois indivíduos que trabalham juntos para alcançar um crescimento espontâneo e livre. O analista cresce tanto como o paciente. Algo não marcha bem quando um analista permanece estático apesar de enfrentar tais experiências pessoais dinâmicas. Para mim, Fairbairn como pessoa construiu a partir do que mim pai fez por mim e, como analista, me permitiu descobrir com grande detalhe de que modos minhas lutas pela independência com relação a minha mãe entre os três anos e meio e os sete tinham chegado a fazer parte da minha personalidade. Sem isso poderia ter-me deteriorado na velhice e transformado em uma pessoa tão estranha como minha mãe. Winnicott, uma personalidade totalmente diferente, compreendeu e encheu o vazio criado pela minha mãe nos primeiros três anos e meio da minha vida. Os necessitei, a ambos e tive a incrível sorte de encontrá-los. Suas diferenças mesmas foram um estímulo para diferentes aspectos da minha personalidade. As idéias de Fairbairn sobre o Eu libidinal, o antilibidinal e o central como uma teoria da estrutura endopsíquica, com o “Self verdadeiro e o Self falso” de Winnicott com insights intuitivos com relação à confusa realidade psíquica de pessoas concretas. Talvez nenhum analista pode ser tudo o que um paciente necessita e devemos conformar-nos com deixar que os pacientes tirem de nós o maior proveito possível. Não nos atrevamos a apresentar-nos como seres oniscientes e onipotentes porque temos uma teoria. O mesmo Fairbairn disse em certa ocasião: “Se obtém da análise o que se põe nele”, e acho que este se aplica tanto ao analista como ao paciente. Penso que o desenvolvimento de um claro insight consciente significa haver tomado plena posse dos benefícios já conseguidos no plano emocional, estar em condições de correr o risco de novas tensões emocionais para alcançar um maior crescimento emocional. Representa não só uma compreensão consciente mas também o fortalecimento de um núcleo interno da “mismidad” e a capacidade para “relacionar-se”. No que concerne ao material psicopatológico, os sonhos expressam nossa estrutura endopsíquica. Constituem uma maneira de experimentar nos limites da consciência nossos conflitos internalizados, nossas lembranças de lutas que originalmente tiveram lugar no mundo externo e depois como lembranças e fantasias de conflitos que se transformaram em nossa realidade interna, manter vivas as “relações objetais”, mesmo que só sejam “relações com objetos maus” porque as necessitamos para conservar a posse de nosso “Eu”. Segundo minha experiência, quanto mais profundo o nível que esse “encontro” final de sonhos alcançou em meu inconsciente, em maior medida ao passo que os mesmo se desvaneceram lentamente e foram substituídos por “despertar em um determinado estado de ânimo”. Comprovei que não estava fantasiando ou pensando mas simplesmente sentindo, conscientemente submetido ainda estado de ânimo que, segundo comecei a compreender, existia conscientemente desde fazia muito tempo e tinha permanecido imerso no fundo de meu inconsciente: um estado de ânimo apagado, mecânico, sem vida, sem interesse por nada, silencioso, fechado em mim mesmo, fazendo os gestos cotidianos com uma sensação de haver perdido o significado da existência. Tive esta experiência durante várias manhãs consecutivas até que comecei a comprovar que esse estado de ânimo desaparecia e dava lugar a um interesse normal pela vida, o qual, ao fim de contas, parece ser o que cerca esperar. Em cada indivíduo existe uma ordem natural peculiar e determinado pela sua história, no qual (1) os problemas podem voltar conscientes e (2) as interpretações resultam pertinentes e mutativas. É algo que não podemos dizer e devemos limitar-nos a seguir o curso do desenvolvimento individual. Por último, e com relação ao difícil tema das fontes da teoria, pareceria que nossa teoria devesse ter suas raízes em nossa psicopatologia. Isto já estava implícito na corajosa auto-analise de Freud em uma época em que tudo era muito escuro. A idéia que podíamos elaborar uma teoria da estrutura e o funcionamento da personalidade sem que tivesse nenhuma relação com a estrutura e o funcionamento de nossa própria personalidade deveria ser um absurdo evidente. Se nossa teoria é muito rígida, é provável que conceitualizem nossas defesas egóicas. Se é flexível e progressiva, é possível que conceitualizem nossos processos de crescimento e lance luz sobre problemas alheios e sobre possibilidades terapêuticas. A “falha básica e, portanto, a de outras pessoas. Em contraste com as concepções teóricas exata e intelectualmente definidas de Fairbairn, que formulam desenvolvimentos logicamente progressivos na teoria existente, abrem o caminho para mais uma exploração profunda do Reimer período de vida durante o qual, qualquer seja a dotação genética do bebê, a capacidade ou impossibilidade da mãe para “relacionar-se” é a condição sie qua non da saúde psíquica do menino. Encontrar um bom progenitor desde o começo da base da saúde psíquica. Quando isso não ocorre, encontrar um “objeto bom” genuíno no próprio analista é, a um mesmo tempo, uma experiência transferencial e uma experiência da vida real. Tanto na análise como na vida real, todas as relações têm uma natureza sutilmente dual. Durante toda a vida incorporamos figuras boas e más que nos fortalecem ou nos perturbam, e o mesmo sucede na terapia psicanalítica: é o encontro e a interação de duas pessoas reais com todas suas complexas possibilidades. Tradução Fábio Ulrich Bibliografía Fairbairn, W. R. D. (1952a), Psychoanalytic Studies of The Personality. Tavistock, Londres. - (1952b), “Theoretical and experimental aspects of psycho-analysis”. Brit. J. med. Psychol. 25, 122-127. - (1954), “Observations of the nature of hysterical states”. Brit. J. med. Psychol. 27, 106-125. - (1955), “Observations in defense of the object-relations theory of the personality”. Brit. J. med. Psychol. 28, 144-156. - (1956), “Considerations arising out of the Schereber case”. Brit. J. med. Psychol. 29, 113-127. - (1958), “On the nature and aims of psychoanalytical treatment”. Int. J. Psycho-Anal., 39, 374- 385. Guntrip, H. (1960), “Ego-weakness, the hard core of the problem of psychotherapy”. En Guntrip (1968). - (1961), Personality Structure and Human Interaction. Hogarth Press. Londres. - (1968), Schizoid Phenomena, Object-Relations and The Self. Hogarth Press. Londres. Morse, S. J. (1972), “Structure and reconstruction: a critical comparison of Michael Balint and D. W. Winnicott”. Int. J. Psycho-Anal. 53, 487-500. Sutherland, J. (1965), Obituary. W. R. D. Fairbairn. Int. J. Psycho-Anal. 46, 245-247. Winnicott, D. W. (1958). Collected papers. Through Pediatrics to Psycho-Analysis. Tavistock, Londres. - (1971), Playing an Reality. Tavistock. Londres. [Realidad y juego, Granica, Buenos Aires, 1972]

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Este é um filme que conta um pouco da História de Freud. http://www.youtube.com/watch?v=-op3s6s-yw4