quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Histeria - Resumo de caso






HISTERIA, PSIQUE-SOMA: UM CASO CLÍNICO – HISTERIO-EPILESIA?


“Não acredite em Duendes: Eles Mentem Muito; O Menino Maluquinho, Ziraldo”


1. Introdução:

O presente trabalho tem como o objetivo traçar alguns pontos sobre a histeria no mundo contemporâneo que por sua vez tem sido motivo de interesse de estudo, em minha prática clínica, ou em meu “trabalho atual”, o “Psico-Soma”, o relato de um Caso Clínico e as influências teóricas que tenho adotado.

2. Sobre a Clínica Contemporânea:

OUTEIRAL na apresentação de sua obra “A Clínica da Transicionalidade” cita Clarisse Lispector; uma frase, “Escrever é procurar entender, procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permanece vago e sufocador” Isso é o que mais que me traz inspiração neste momento “ Escrevo para salvar vida de alguém, provavelmente a minha” . Dito isso, tento contextualizar a clínica, suas possibilidades, suas impossibilidades, esta segunda, que pouco falamos. Citando Novamente OUTEIRAL que traduz com sua inegável sensibilidade “Buscando nos auxiliar a suportar a solidão, a incerteza, a abstinência, a curiosidade e o não-saber que, entre outros muitos fatores, fazem parte de nosso cotidiano clínico (...). Dentro deste contexto que gostaria de falar da Histeria, levando em considerações que revisões teóricas são feitas. Mas se fala hoje muito mais do desaparecimento das “Histéricas” do que a percepção de suas manifestações e hoje a possibilidade de atendimento: melhor dizendo ou o perguntado: Existiria no mundo Contemporâneo, tempo, possibilidade de atendimento desta manifestação psíquica?


3. Sobre a Histeria.

Penso desnecessário fazer uma revisão teórica de Histeria a partir de Freud. Embora BOLLAS (2000) afirme que em qualquer ensaio sobre a Histeria é necessário fazer referência aos seus famosos traços. Segundo o autor quando pensamos na histeria pensamos em pessoas perturbadas por suas demandas sexuais corporais e por suas idéias sexuais recalcadas. Seriam indiferentes à conversão, superidentificadas com o outro, se expressam de modo teatral, preferivelmente devaneando a existência do que nela mesmo se engajando optando, então, pela ilusão da inocência infantil à mundanidade da vida do adulto.
BERLINCK (1997) questiona: Depois que tudo o que foi dito e escrito a respeito da histeria pelos psicanalistas de ontem e de hoje será que há lugar para mais alguém falar ou dizer algo sobre o que é uma das preocupações centrais da clínica e das teorias inauguradas por Freud? Segue o autor “Ou será que é o momento de silenciarmos à escuta dos que tem algo a nos dizer: os próprios Histéricos?”
Dentro de contexto teórico que relatarei um caso que me foi encaminhado há alguns anos que neste texto retomo. Mas para tanto, penso importante alguma revisão teórica que ainda prossigo.
KHAN escreve que desde os primeiros escritos de Freud, há 100 anos, não tivemos grande coisa na literatura que nos permitisse compreender melhor o histérico, pelo contrário seu estatuto clínico foi confundido com seus distúrbios mais graves da personalidade.

"Todos sabem que Freud atribui inicialmente este não saber a episódios de sedução sexual real na infância antes de relacioná-los a fantasmas de sedução recalcados que o paciente expressava, no presente, através de uma linguagem somática, mas do qual se recusava psiquicamente tomar consciência” (M. Khan)

Para Masud Khan “se é verdade que o histérico no inicio de seu desenvolvimento psicossexual, substitui a exploração sexual do eu-corpo pelo desenvolvimento das funções do eu, pode-se compreender não somente por que ele se mostra fundamentalmente ambivalente e hostil em relação às capacidades inatas do seu eu, mas também porque testemunha de uma aversão hostil e invejosa no que refere a todo funcionamento de eu no objeto amado, durante a vida adulta”


4- Apareceu Ana.

Ana “apareceu”. Digo isso porque ela não procurou atendimento. Foi trazida literalmente “pela mão” por seu Neurologista em um consultório improvisado em um serviço público. Antes de entrarem na sala conversei com seu médico em particular, enquanto ela esperava fora do Consultório. Disse-me: “Ela tem Histerio-Epilepsia! Já foram feitos todos os exames possíveis. Nada encontramos. Suas convulsões são graves e não respondem em nada às medicações. Interamos numa clínica para vigiar seu sono. Ela fugiu de Camisola de ônibus até sua casa. 40 Km. Ele repete: Ela tem Histerio-epilepsia. Precisa fazer análise”.


5- Ela é uma histérica:

Para BOLLAS o histérico, seu corpo impõe uma lógica que ele detesta. Substituindo seu Corpo impelido por uma biologia por “um outro” imaginário simbolizando seu sofrimento por suas partes debilitadas, apesar de mostrar pouco interesse pelo apuro destas.

(Ele permanecerá indiferente a este corpo. Sua Sexualidade lhe parece desarmoniosa e embora recalque as idéias sexuais, acredita paradoxalmente, que elas se tornam um núcleo bastante poderoso daquilo que foi banido e que continuamente, se esforça para retornar a consciência. Ele sempre irá se dissociar de tais retornos, parecendo frio e ascético. Ou poderá fazer justamente o contrário, tornando-se uma espécie de diretor geral de seu mundo interno, exibindo idéias em seu próprio teatro C.BOLLAS 2000)

Continua o autor que em meio a estes extremos, o histérico se mostra perdido em seu próprio mundo. Um mundo de devaneios no qual entre outras possibilidade pode permanecer um eterno inocente, vivendo com uma criança dentro do corpo de adulto. Pode transmitir com competência seu estado mental de modo que outros, com temperamento semelhante, possam identificar-se com sua difícil situação. Continua BOLLAS: “Ele poderia se encontrar em uma comunidade de seres afins, todos transmitindo sintomas que vão e vêm de suas próprias internetes psíquicas”.

6- A Mente e o Psique-Soma:

ABRAM em sua obra “A Linguagem de Winnicott” escreve que a contribuição feita por Winnicott à Psicossomática iniciar-se-ia em um trabalho de 1949 em um trabalho de 1949 Mind and Its Relation to the Psyche-Soma que teria sido inspirado por um comentário de Ernest Jones em um texto de 1946 no qual ele escreveria” Não penso que mente exista como uma entidade”.
Winnicott concordaria, mas acrescentaria que em sua prática clínica observaria que existiam pacientes que sentiam sua mente em algum outro lugar, como se essa então fosse uma entidade separada.

“Esta citação... estimulou-me a tentar buscar minhas próprias idéias em torno desse assunto tão vasto e difícil. O esquema corporal, com seus aspectos temporal e espacial, fornece um valioso exemplo do diagrama que o indivíduo possui de si mesmo. A partir daí acredito que não existe uma localização clara para a mente. Na prática clínica nos deparamos com a mente como uma entidade situada em algum lugar pelo paciente...”
(Winnicott, Mind and Its Relation)


Winnicott empregou o termo “mente” a fim de descrever o funcionamento intelectual similar a uma dissociação do indivíduo que sente sua como uma entidade que não participa de seu sentimento de Self. Em um momento posterior de sua obra, Winnicott refere-se a este fenômeno como “clivagem do intelecto”. É a essa clivagem da personalidade que Winnicott recorre ao escrever sobre as doenças psicossomáticas.

Em seu estudo Winnicott tece uma crítica aos médicos que insistem em enxergar apenas o componente físico do paciente, não vendo que as desordens psicossomáticas situam-se “entre o mental e o físico”.

“Tais médicos estão completamente desorientados com sua teoria; curiosamente, muitos deles omitem a importância que o corpo físico possui, do qual o cérebro faz parte (.” (Winnicott, Mind and Its Relation))

Para Winnicott, no desenvolvimento sadio, a psique e o soma não são distinguíveis, pois é o bebê e a criança em desenvolvimento que estão implicados. O indivíduo que é sadio supõe que seu sentimento de self é parte de seu corpo.





“Eis um corpo. A psique e o soma não podem ser distinguidos, a não ser pela forma como os vemos. Podemos nos voltar para o corpo ou para a psique que se desenvolve. Considero que aqui a palavra psique signifique a elaboração imaginativa dos elementos, sentimentos e funções somáticas, ou seja, a atividade física. Sabemos que essa elaboração imaginativa depende da existência e do funcionamento saudável do cérebro, em especial de determinadas partes. A psique, entretanto, não é percebida pelo indivíduo como localizada no cérebro, ou mesmo em algum outro lugar. Pouco a pouco os aspectos da psique e do soma relacionados à pessoa em crescimento envolvem-se em um processo de inter-relação. Essa inter-relação existente entre psique e soma constitui-se em uma fase inicial do desenvolvimento do indivíduo.”(Winnicott, Mind and Its Relation)


Essa “inter-relação entre psique e soma” constitui o ponto central a partir do qual o sentimento de self se desenvolve.

“Em um estágio posterior, o corpo vivo, que possui limites, um interior e um exterior, é sentimento pelo indivíduo para que possa formar o núcleo do self imaginativo.” (Winnicott, Mind and Its Relation)

Como conseqüência, o núcleo do self que se origina da relação precoce mãe-bêbe encerra a noção de uma integração entre mente e corpo.

“Admitamos que a saúde no princípio do desenvolvimento do indivíduo esteja vinculada à continuidade do ser. O início do psique-soma se dá juntamente com determinada linha de desenvolvimento que faz com que a continuidade do ser não seja interrompida; em outras palavras, para que haja um desenvolvimento saudável do pisque-soma precoce existe a necessidade de um ambiente perfeito. Inicialmente essa necessidade é absoluta.” (Winnicott, Mind and Its Relation)

Winnicott estaria se referindo à total identificação da mãe ao bebê, que é precisamente aquilo que origina um ambiente perfeito. Isso quer dizer que ela é capaz de segurar, manejar e cuidar de seu bebê com interesse, protegendo-o, e com todos os elementos do amor. Se tudo correr bem nos primeiros estágios, isso proporcionará ao bebê o sentimento de ser e um self alojado em seu corpo.


7 – Ana em atendimento.

“É claro que a histeria não desapareceu, porém é ela cada vez mais vivida e tratada como uma depressão (...) a sua substituição é vivida e acompanhada, com efeito, por uma valorização dos processos psicológicos de normalização, em detrimento das diferentes formas de exploração do inconsciente (...) para a psicanálise, psicofarmacologia, para psicoterapia, homeopatia”. (ROUDINESCO 2000)



7.1: Sobre o Setting: O lugar onde atendi Ana merece uma descrição. Tratava-se de um serviço público, há 20 anos. Fazia parte de um projeto de atendimento para pessoas de baixa renda. O número de Consultas era delimitado e aí se iniciava o contrato de trabalho. Consultas Terapêuticas? Provavelmente sim. Não caberia aqui discorrer sobre Consultas Terapêuticas, embora o contexto merecesse tal desdobramento teórico.
7.2: O atendimento e Ana.

Iniciamos os atendimentos e Ana seus relatos. Na época com pouco mais de 20 anos, casada e com um filho. Segundo ela vinha de uma família e de um pai muito austero, além de jogador de “boliche”. Ana diz que se “apaixonou” pelo marido quando teria 17 anos. Diz não ser um grande amor, mas, além disso, esta relação seria uma boa maneira de sair de casa. Perguntada por mim sobre suas convulsões relata sintomas parecidos com os quais o neurologista havia referido. No entanto algo se revela de maneira muito interessante: suas convulsões iniciaram justamente quando ela iniciara a relação com seu namorado, contrariando a “vontade do pai”. Suas convulsões eram em números importantes, nas mais diversas situações e até então não se ligava a alguma situação mais específica, como alguma situação de stress, ato sexual, enfim, ocorriam de maneira aleatória não respondendo a medicação e suas várias tentativas. Seus exames neurológicos não mostravam nenhuma alteração sequer.
Inicialmente Ana mostra-se pouco a vontade. Mas sempre estava no seu horário. Sem atraso. Confiava no atendimento. Tinha esperança.
A partir do segundo mês Ana relata que suas convulsões haviam mudado. Não eram tão freqüentes e não aconteciam mais na rua.
Perguntada sobre seu relacionamento, seu casamento diz que quando iniciou seu namoro, logo engravidou e que escondeu essa gravidez pelo tempo que pode e que, quando isso não foi mais possível fugiu de casa e nunca mais fez contato com os pais. Seu filho nasceu, e suas convulsões somente aumentavam. Perguntei a ela por que escondia de maneira tão sofrida essa gravidez e este neto. Por que passado todo esse tempo fizeram mais contato com seus pais. Ana diz que seu pai, contrário ao casamento ameaçara: “Se tu ficares grávida eu corto a tua cabeça e daquele vagabundo e jogo elas com se fossem bolas de boliche”. Dito isso Ana faz uma convulsão. Bate-se, se urina, vira os olhos e repete várias vezes durante a convulsão: “Sim senhor tudo o que o senhor mandar!” Depois da convulsão no consultório, constrangida, assustada, urinada, tem o ímpeto de sair correndo. Digo a ela para se tranqüilizar e disse: “que bom que sua convulsão havia ocorrido no Consultório, em um lugar onde ela estava sendo cuidada, escutada, em tratamento.” Ana se acalma, e sua preocupação seria como ir embora e passar por todo serviço toda urinada. Olha para uma tolha de mesa e pergunta se pode usar a toalha para ir embora. Digo que sim e peço que traga a mesma de volta na próxima sessão, afinal a toalha não era minha nem dela. Era da Instituição, esclareço.
Ana retorna com uma fiosonomia diferente, mais tranquila, mais a vontade sem relatar a convulsão. Diz estar mais tranquila, uma vez que entre uma sessão e outra não teria tido nenhuma convulsão. Os atendimentos continuam e suas convulsões diminuem até então não mais ocorrerem. Pergunto se ela não deseja ver mais os pais e responde que se sentia mais a vontade para pensar no assunto. Por contrato, o fim do atendimento começa a se aproximar. Dito isso na próxima sessão comparece com o filho. Não interpreto. Atendo. Ao final da sessão agradeço por apresentar seu filho e pontuo que seria interessante que na próxima “consulta” viesse sozinha. Ela concorda e diz: “ Não preciso mais andar com ele, minhas convulsões não acontecem mais.”
Na próxima sessão senta e me diz: “sonhei que estava transado contigo doutor. O Senhor não sonha em transar comigo?” Respondo: que bom que você consegue falar isso aqui. Fico grato pelo seu interesse, mas sou seu terapeuta e que seus desejos eram normais uma vez eu havia a ajudado e teria com ela um vínculo saudável e importante. E que mais importante ainda seria se ela conseguisse manter vínculos assim que lhe fizessem bem sem se destruir. Ana chora e diz que sentirá saudades. Digo a ela que outro colega viria atendê-la e que ela não teria interrupção no tratamento. Ana se mostra triste nas próximas consultas e em nossa última sessão diz não querer ser mais atendida por ninguém que não eu. “Se eu piorar procuro o senhor doutor, em seu consultório particular”. Também senti falta de Ana.


Referências Bibliográficas:

ABRAN, Jan., A linguagem de Winnicott. Dicionário das palavras e Expressões Utilizadas por Donald W. Winnicott Rio de Janeiro, Revinter (2000).
BOLLAS, Cristopher, Hyteria São Paulo. Escuta (2000).
BERLINCK, Manoel (org.) Histeria, São Paulo Escuta (1997).
OUTEIRAL, José A Clínica da Transicionalidade fragmento de adolescente, Rio de Janeiro, Revinter (2000).
ROUDINESCO, E (1997) . El psicoanálisis a fine del siglo XX. La situación en Francia : perspectivas clínicas y institucionales. International psycoanalysis. The news letter of IPA. v.6,1,p.40-45.

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